O legado que Virgil Abloh deixa para a moda.

Inclusividade, sonhos e persistência. Hoje nos despedimos de um dos maiores designers dessa geração.

Fernanda Yasmim
5 min readNov 28, 2021

Hoje, em decorrência de uma batalha privada contra uma forma rara de câncer, Virgil Abloh faleceu aos 41 anos. O designer deixa sua esposa e dois filhos.

Criador da marca de streetwear Off-White e diretor criativo da Louis Vuitton, existem pouquíssimos designers hoje com a mesma relevância e influência que Virgil Abloh na indústria da moda. Nascido em 1980 nos arredores de Chicago, graduou-se em engenharia civil pela Universidade de Wisconsin-Madison em 2002 e obteve seu mestrado em arquitetura pelo Instituto de Tecnologia de Illinois, em 2006.

Seu primeiro contato com a moda foi através de sua mãe, que era costureira. Enquanto estudava, Abloh também desenhava camisetas e escrevia sobre moda e design para o blog The Brilliance. Foi nessa época em que ele conheceu Kanye West, com quem desenvolveu uma amizade criativa que mudaria sua vida.

Virgil era como um assistente criativo para Kanye, ajudando no desenvolvimento criativo de capas de álbum, cenários e merch. Todos que trabalhavam com Kanye na época também conheceram o designer. Em 2010, Virgil foi apontado como diretor criativo de DONDA, uma agência de conteúdo do artista, e em 2011 trabalhou na produção do álbum Watch The Throne, uma colaboração entre Kanye e Jay-Z, que ajudou a abrir muitas portas para Virgil na bolha do hip-hop.

Em 2013, surgiu sua primeira grife, Pyrex Vision. As roupas eram peças originalmente da Champion e da Ralph Lauren, Virgil as customizava e estabelecia um preço absurdo em relação à qualidade das peças. Apesar do sucesso, a marca durou apenas um ano, já que Virgil a via como um experimento, e não uma empresa.

“A cultura é mais importante que o perfeccionismo da ideia.” Simplesmente adicionar o número 23 — uma homenagem a Michael Jordan — nas costas de uma camiseta já mudava o significado de uma camiseta de Champion. Nem sempre moda é só sobre a execução. Por que um adolescente que pinta listras em uma camiseta não poderias sonhar em ser um designer? O que de fato importa, não seria a expressão por meio daquele item?

“Nós éramos de uma geração interessada por moda mas que não deveria estar ali.” (Virgil Abloh sobre sua presença e a de Kanye West no Paris Fashion Week)

Se a baixa qualidade das peças da Pyrex era relevada por ser tratar de ‘uma mera marca de streetwear’, com a Off-White foi diferente. Virgil agora tinha que seguir o caminho inverso e defender a sua visão e a importância do streetwear para a moda nas passarelas de Paris, o que exigia tecidos e execução melhores.

A marca era descrita por ele como a ‘parte cinza entre o preto e o branco, como a cor off-white’. Diferente de tudo que já existia no mercado de luxo, a Off-White parecia ser resultado de uma nova geração, influenciada pelas redes sociais e voltada para o que os jovens queriam consumir. O mercado de luxo, que por muito tempo ignorou as novas tendências e comportamento da juventude — pelo simples fato deles não terem ainda a renda para consumir luxo — começou a mudar por causa de Virgil Abloh. As ruas foram para as passarelas.

Da Pyrex — seu ‘estudo’ da juventude — até sua primeira coleção para Louis Vuitton em 2018, Virgil tinha uma meta: democratizar a moda e abrir espaço para quem quisesse participar. Muitos jovens criaram interesse pela moda por causa de Virgil Abloh e muitos jovens sinceramente só conhecem o seu nome indústria. The New York Times já falou que Virgil salvou o luxo com suas camisetas, e talvez elas realmente sejam um de seus maiores legados. Não por se tratarem de um design incrível, mas pelo o que representaram e possibilitaram.

A primeira vez que me emocionei com um desfile foi por causa de Virgil. Sua estreia na Louis Vuitton pareceu uma cerimônia. Milhares de estudantes foram convidados para assistir o desfile, um evento normalmente super exclusivo só para aqueles que já fazem parte da seletiva panelinha da moda.

Louis Vuitton SS 2019

Os convidados vestiam roupas que combinavam com a transição de cores da extensa passarela arco-íris, incorporando e incluindo ainda mais o espectador ao evento. Perfeitamente de acordo com o post que ele publicou em seu Instagram após o desfile, na legenda “you can do it too”.

@virgilabloh: “you can do it too …”

Como historiadora do presente (a.k.a. jornalista), é fascinante reconhecer diante de seus olhos um momento que vai parar nos livros de história.

O primeiro texto que publiquei sobre um desfile, era de uma de suas coleções. As shownotes de seus desfiles — que pareciam mais um glossário literal de seu processo criativo — eram sempre disponibilizadas em seu site pessoal. Em cada desfile, um mapa apontava as origens de cada modelo. Eu poderia escrever páginas sobre cada detalhe que Virgil fez para que outsiders sentissem que também poderiam participar da indústria da moda. Principalmente o que representou a presença dele como o primeiro negro americano a assumir o maior cargo criativo da maior marca de luxo do mundo. Quando jovens negros viram nas passarelas da Louis Vuitton pessoas que se pareciam com eles, vestidas com as roupas de alguém que também se parecia com eles.

O que Virgil Abloh fez para a moda foi bem mais que entre aspas, linhas pretas e amarelas, e etiquetas que não devem ser cortadas. O que torna um designer um grande designer nem sempre são suas habilidades de alfaiataria e construção, mas sua capacidade de compreender a moda e quem quer participar dela. No final do dia a moda não se trata somente de roupas bonitas, ela é um reflexo de inúmeros eventos históricos e presentes na sociedade. Virgil conseguiu chegar no topo e ser o maior de uma geração, mesmo com todo elitismo, nepotismo e preconceitos que infelizmente existem na indústria. Virgil Abloh foi um evento histórico que tivemos a sorte de presenciar.

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Fernanda Yasmim

Estudante de Jornalismo. Apaixonada por moda, música e metáforas bonitas.